Medida vigora enquanto não forem adotadas medidas sanitárias de enfrentamento da COVID-19 no ambiente laboral.
Nesta manhã de sexta-feira (05), a juíza da 10ª vara do Trabalho do Recife, Maria Carla Dourado de Brito Jurema atendeu ao pedido de liminar formulado pelo SINPROES – Sindicato dos Professores das Instituições do Ensino Superior Privadas do Recife e Região Metropolitana – para que o IBGM – INSTITUTO BRASILEIRO DE GESTÃO & MARKETING LTDA – EPP – UNIBRA se “abstenha, IMEDIATAMENTE, de exigir o comparecimento presencial dos professores que lecionam no ensino superior ministrado em todas as suas unidades de ensino, bem como em quaisquer ambientes externos em que estejam a serviço do Demandado, até que comprove, de forma efetiva, ter fornecido aos professores capacitação hábil visando ao cumprimento das rotinas e protocolos de biossegurança contidos em seu Plano de Contingenciamento e na Portaria Conjunta nº 20; e, de igual modo, que comprove a adoção e fiscalização do cumprimento de todas as medidas sanitárias tendentes a garantir um ambiente laboral seguro e apto ao retorno do labor presencial por parte dos educadores“.
A juíza definiu “multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em caso de descumprimento, limitada a 30 (trinta) dias”.
Segundo a decisão, a liminar foi concedida “diante da vasta argumentação acima exposta, que estão presentes os elementos necessários para a concessão da medida liminar previstos no art. 300, do CPC, quais sejam a probabilidade do direito, consistente na moldura fática descrita nos autos, a qual demonstra, inicialmente, que as medidas ideais para garantir o retorno seguro ao sistema de ensino presencial, por parte da UNIBRA não foram tomadas. Ainda destaca que a liminar é dada pelo perigo da demora, já que existem riscos desnecessários à saúde dos professores representados pelo Sindicato, os quais, potencialmente, podem vir a ser letais, o que merece ser repelido, de forma urgente“.
Segundo o Presidente do SINPROES essa é uma medida que assegura a segurança, a saúde e a vida dos Professores da IES, além de toda a comunidade acadêmica: “Com um cenário preocupante como o apresentado no país e em Pernambuco, não é razoável arriscar a vida de colaboradores e alunos quando existem alternativas que asseguram a saúde de toda a comunidade”, afirma Romulo de Freitas.
Ainda nesta semana, o SINPROES obteve liminar que garantiu a segurança de professores do ESUDA que tinha o intuito de voltar com atividades presenciais sem os devidos protocolos de segurança.
Segue a íntegra da decisão:
DECISÃO
Vistos, etc.
Trata-se de ação civil pública, com pedido de concessão de tutela de urgência formulado pelo SINDICATO DOS PROFESSORES DAS INSTITUIÇÕES DO ENSINO SUPERIOR PRIVADAS DO RECIFE E REGIÃO METROPOLITANA – SINPROES em face de IBGM – INSTITUTO BRASILEIRO DE GESTÃO & MARKETING LTDA – EPP, no qual postula, em síntese, que “a Promovida revogue imediatamente a determinação de comparecimento presencial para o cumprimento do contrato individual de trabalho dos professores de ensino superior em todos os seus campi (incluindo, sem se restringir ao Campus I – Rua Joaquim Felipe, 250, Boa Vista – Recife/PE – CEP: 50050-340, ao Campus II – R. Padre Inglês, 257, Boa Vista – Recife/PE – CEP: 50050-230, ao Campus III – R. Padre Inglês, 356, Boa Vista – Recife/PE – CEP: 50050-230) e a locais externos em que haja cumprimento de contrato de trabalho de professor, sem que Plano de Contingenciamento seja juntado aos autos, com ata comprobatória de capacitação de todos os professores em suas rotinas de saúde e segurança, e documentação comprobatória das medidas nele previstas (de proteção e informação)”.
Fundamenta o pedido, em resumo, no fato de a demandada ter retomado as suas atividades presenciais de ensino sem atender às determinações contidas na Portaria Conjunta nº 20, de 18/06/2020, editada pelo Ministério da Economia e pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, mormente quanto à ausência de um plano de contingenciamento a ser seguido, bem como a falta de capacitação dos professores para seguirem os protocolos de biossegurança no enfrentamento da COVID-19 no ambiente laboral.
Instruiu a demanda com a prova documental constante das fls. 69/92; 137/157; 161/166.
O demandado se manifestou acerca do pedido liminar formulado pelo Sindicato autor, nos termos da petição de fls. 100/123.
A requerimento das partes, foi realizada reunião pelo Juízo mediante videoconferência, com os seus respectivos representantes, na qual foi concedido prazo para que o demandado juntasse documentação complementar bem como para manifestação do Sindicato autor (ID. 91eea63).
O réu trouxe a documentação complementar às fls. 169/176; 179/230 e 233/250, sobre a qual o Sindicato demandante se manifestou por meio da petição de ID. fac499a.
Passo à análise.
Dentro do ordenamento jurídico constitucional próprio de um Estado Democrático de Direito, existe um conjunto de valores elementares que definem as relações mantidas entre o Estado e os indivíduos, bem como entre estes últimos, os chamados “direitos fundamentais”.
No texto da Carta Constitucional pátria de 1988, em seu “Título II”, estão consagrados os direitos e garantias fundamentais vigentes na República Federativa do Brasil, dentre os quais se destaca aquele previsto no art. 5º, caput – o direito à vida. Este último, em razão da sua própria natureza, é o mais elementar de todos os direitos fundamentais, visto que, obviamente, se tolhido, restará completamente inviabilizada a fruição de qualquer outro direito assegurado pelo Constituinte.
Em razão dessa natureza “irradiante” do direito à vida, o texto constitucional, ao estabelecer o rol de direitos fundamentais assegurados aos trabalhadores urbanos e rurais, diligenciou em estender às relações de trabalho a proteção do direito à vida, conforme previsto no art. art. 7º, XXII, o qual prevê o seguinte:
“XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”;
No esteio do texto constitucional, o restante do ordenamento jurídico cristalizou esse dever do empregador em minorar os riscos decorrentes da atividade laboral, em suas múltiplas naturezas, tendo sempre por objetivo central a proteção do direito à vida do empregado.
Tal dever se desdobra em duas perspectivas: primeiramente, consiste na adoção de todas as medidas necessárias à garantia da proteção e segurança da saúde do trabalhador (art. 19, §1º, da Lei 8.213/1991); bem como diligenciar para que os empregados tenham ciência de tais medidas e sejam adequadamente instruídos a cumpri-las, sendo ônus do empregador a fiscalização do aludido cumprimento. Nesse sentido, vejamos o que dispõe o art. 157, da CLT:
“Art. 157 – Cabe às empresas:
I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;
II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;
III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;
IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.”
Pois bem.
Fez-se necessário tecer as considerações preliminares acima, ante o pano de fundo que circunda a discussão travada nos autos.
É de sabença pública que, desde 11/03/2020, portanto há praticamente 1 (um) ano, quando oficialmente reconhecida como pandemia pela Organização Mundial da Saúde – OMS, o mundo enfrenta a COVID-19, designação dada à patologia infectocontagiosa causada pelo novo coronavírus (SARS-COV-2).
Dali em diante, a quase totalidade dos estados nacionais adotaram medidas com o objetivo de conter a disseminação do vírus, sendo as mais impactantes delas aquelas relacionadas ao distanciamento social e, especialmente, à restrição de circulação de pessoas e de atividades econômicas e sociais em geral, mais conhecida como “lockdown”.
Diante disso, foi editada a Portaria Conjunta nº 20, em 18/06/2020, pelo Ministério da Economia e pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, o qual estabeleceu um conjunto de medidas a serem adotadas com vistas à “prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão da COVID-19 nos ambientes de trabalho”.
Dentre as medidas estabelecidas no referido normativo, o Anexo I determina que:
“1.1 A organização deve estabelecer e divulgar orientações ou protocolos com a indicação das medidas necessárias para prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão da COVID-19 nos ambientes de trabalho.
1.1.1 As orientações ou protocolos devem estar disponíveis para os trabalhadores e suas representações, quando solicitados.
1.2 As orientações ou protocolos devem incluir:
a) medidas de prevenção nos ambientes de trabalho, nas áreas comuns da organização, a exemplo de refeitórios, banheiros, vestiários, áreas de descanso, e no transporte de trabalhadores, quando fornecido pela organização;
b) ações para identificação precoce e afastamento dos trabalhadores com sinais e sintomas compatíveis com a COVID-19;
c) procedimentos para que os trabalhadores possam reportar à organização, inclusive de forma remota, sinais ou sintomas compatíveis com a COVID-19 ou contato com caso confirmado da COVID-19; e
d) instruções sobre higiene das mãos e etiqueta respiratória.”
Acrescenta ainda a mencionada norma que tais instruções, a serem transmitidas aos funcionários, poderão ser comunicadas “durante treinamentos ou por meio de diálogos de segurança, documento físico ou eletrônico (cartazes, normativos internos, entre outros), evitando o uso de panfletos”.
Pois bem.
Dito isto, cabe registrar que o demandado juntou aos autos o “Plano de Contingência COVID-19 e Manual de Boas Práticas nas Dependências do Centro Universitário Brasileiro – UNIBRA” às fls. 253/263, o qual prevê um conjunto de medidas e ações relacionadas à circulação de pessoas em suas dependências internas; medidas de higienização de ambientes; afastamento de colaboradores que apresentem sintomas relacionados à COVID-19, etc.
O réu ainda colacionou aos fólios, as fotografias constantes das fls. 241/250, as quais indicam a adoção de algumas medidas visando o retorno seguro às atividades presenciais, tais como a triagem no acesso, mediante aferição de temperatura; disponibilização de totens com recipiente contendo álcool em gel; fornecimento de máscaras de proteção além da presença de aviso, através de cartazes, contendo recomendações de caráter sanitário.
Contudo, tenho que tal documentação não se mostrou suficiente, ao menos em uma cognição sumária, para demonstrar que o demandado tenha, de fato, assegurado um ambiente laboral seguro para o retorno às atividades presenciais dos profissionais representados pelo ente sindical demandante.
Como mencionado anteriormente, o dever do empregador não consiste apenas na adoção das medidas necessárias à proteção da saúde de seus empregados, mas igualmente em cuidar para que os mesmos sejam devidamente instruídos acerca de tais medidas e, principalmente, na fiscalização quanto ao seu efetivo cumprimento.
Nesse sentido, primeiramente, não há provas sólidas de que o já mencionado Plano de Contingenciamento tenha sido transmitido aos funcionários, em especial aos professores, de maneira clara, prévia e acessível, ou mesmo que eles tenham recebido alguma espécie de capacitação, seja de ordem presencial ou virtual, para seguirem os protocolos sanitários ali estabelecidos.
O réu apenas limitou-se a informar a realização de uma live, no perfil oficial da instituição localizado na rede social Instagram, ocorrida em 26/01/2021, na qual a reitora teria repassado informações gerais sobre o retorno às aulas presenciais, o que, certamente, não se mostra suficiente, visto que se tratava apenas de orientações gerais a todos aqueles que tinham acesso aos espaços internos da instituição, sendo certo que, para a implementação dos protocolos de biossegurança previstos no Plano de Contingenciamento, em razão da sua complexidade, fazia-se necessária uma capacitação/treinamento específica para os professores.
Não bastasse isso, sobejam nos autos elementos de prova, notadamente fotografias e vídeos que indicam o reiterado descumprimento de protocolos básicos estabelecidos para a minoração dos riscos de transmissão da COVID-19, notadamente relacionados ao distanciamento social e uso de máscaras. Acrescente-se ainda a existência de diversos relatos, por parte de alunos (fls. 90/91; 140; 164/166) corroborando o descumprimento contínuo das medidas de proteção à saúde individual nas dependências do Requerido.
Registro, neste ponto, que diversos elementos de prova, quanto ao descumprimento dos protocolos sanitários, foram extraídos dos próprios canais midiáticos oficiais da instituição demandada (fls. 141/147), o que, certamente, afasta a tese de que se trata de meros casos isolados, decorrentes da espontaneidade de alunos, o que não seria possível ao demandado controlar e inibir, mas, do contrário, em uma realidade que se consuma a cada dia, sem que tenha sido demonstrada a adoção de medidas eficazes a coibir tais expedientes.
Destaco ainda que o próprio demandado confessou, em sua petição de manifestação ao pedido liminar (ID. 891c427), quanto à obrigatoriedade do registro de ponto pelos professores, que “quando do retorno, há registro para àqueles que comparecem” (fl. 117), o que contraria frontalmente o disposto na Portaria Conjunta nº 20, citada anteriormente, a qual estabelece, no Anexo I, item 3.6 que “deve ser dispensada a obrigatoriedade de assinatura individual dos trabalhadores em planilhas, formulários e controles, tais como listas de presença em reunião e diálogos de segurança.”
Aliás, a demandada também informou que assegurou aos professores incluídos no “grupo de risco” a possibilidade de que permaneçam lecionando de forma remota, não tendo sido demonstrado, de forma clara e robusta, qualquer prejuízo na ampliação de tal regime de trabalho aos demais professores, pelo menos no atual estágio da pandemia vivenciado.
Impende frisar que, além dos fundamentos acima delineados, não se pode ignorar o recente agravamento do quadro epidemiológico da COVID-19 em todo o Brasil, o qual, inclusive, culminou nesta semana (03/03/2021), com o recorde de mortes decorrentes da aludida enfermidade em um período de 24 (vinte e quatro) horas: 1840[1].
Esse cenário de recrudescimento da pandemia se mostra ainda mais dramático no Brasil face à descoberta de uma nova variante do coronavírus (“P.1”), provavelmente originária de Manaus, a qual apresenta maiores índices de transmissibilidade, carga viral, consistindo, inclusive, em uma potencial ameaça ao êxito do Plano Nacional de Imunização que se encontra em curso[2].
Ante a piora dos números relacionados à doença, em especial a alta taxa de ocupação dos leitos de UTI destinados aos pacientes acometidos pela mesma, o Governo de Pernambuco editou o Decreto nº 50.346, o qual proibiu, de 03/03/2021 a 17/03/2021, o exercício de atividades econômicas e sociais não essenciais, de segunda a sexta-feira, das 20h às 05h do dia seguinte, bem como aos sábados e domingos em qualquer horário[3], o que reflete a criticidade do quadro sanitário atualmente experimentado no Estado.
No ambiente educacional, inclusive, o retorno das aulas presenciais nas escolas públicas municipais do Estado de Pernambuco, inicialmente previsto para o dia 1º/03, foi adiado pelo Poder Público, face ao agravamento dos índices da pandemia[4], já havendo notícias de judicialização visando à ampliação de tal adiamento para as escolas da esfera estadual[5].
Portanto, diante da vasta argumentação acima exposta, que estão presentes os elementos necessários para a concessão da medida liminar previstos no art. 300, do CPC, quais sejam a probabilidade do direito, consistente na moldura fática descrita nos autos, a qual demonstra, em cognição sumária, a ausência de medidas aptas a garantir, de forma apta e eficaz, o retorno seguro ao sistema de ensino presencial, por parte do Demandado, além do perigo da demora, o qual reside no fundado receio de que os professores representados pelo Sindicato autor estejam sendo expostos a riscos desnecessários à sua saúde, os quais, potencialmente, podem vir a ser letais, o que merece ser repelido, de forma urgente.
Dessa forma, ante os fundamentos acima esposados e nos termos do art. 300 do CPC, DEFIRO a tutela de urgência pleiteada, a fim de determinar à parte Ré que se abstenha, IMEDIATAMENTE, de exigir o comparecimento presencial dos professores que lecionam no ensino superior ministrado em todas as suas unidades de ensino, bem como em quaisquer ambientes externos em que estejam a serviço do Demandado, até que comprove, de forma efetiva, ter fornecido aos professores capacitação hábil visando ao cumprimento das rotinas e protocolos de biossegurança contidos em seu Plano de Contingenciamento e na Portaria Conjunta nº 20; e, de igual modo, que comprove a adoção e fiscalização do cumprimento de todas as medidas sanitárias tendentes a garantir um ambiente laboral seguro e apto ao retorno do labor presencial por parte dos educadores.
Fixo multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em caso de descumprimento, limitada a 30 (trinta) dias.
Notifique-se a Demandada da presente decisão em caráter de urgência, mediante Oficial de Justiça.
[1] https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/03/03/brasil-registra-1840-mortes-em-24-horas-e-volta-a-bater-recorde-da-pandemia-total-chega-a-2594-mil.ghtml. Acesso em 04/03/2021.
[2] https://www.uol.com.br/vivabem/reuters/2021/03/01/variante-brasileira-do-coronavirus-pode-driblar-sistema-imune-diz-pesquisa.htm. Acesso em 04/03/2021.
[3] https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2021/03/01/pe-fecha-praias-parques-e-clubes-nos-finais-de-semana-e-restringe-horario-de-funcionamento-de-atividades-nao-essenciais.ghtml. Acesso em 04/03/2021.
[4] https://www.folhape.com.br/noticias/retorno-de-aulas-nas-escolas-publicas-municipais-de-pernambuco-e/173806/. Acesso em 04/03/2021.
[5] https://www.folhape.com.br/noticias/professores-protestam-contra-aulas-presenciais-sem-vacinacao-educacao/174954/. Acesso em 04/03/2021.
RECIFE/PE, 05 de março de 2021.
MARIA CARLA DOURADO DE BRITO JUREMA
Juíza do Trabalho Substituta